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O drama das enchentes em Santos tem nome: negligência


Por Fabiola Calefi, militante do MAIS,

O início da semana em Santos foi marcada por um assunto: o alagamento que tomou diversos pontos da maior cidade do Litoral de São Paulo no último domingo (21). O volume de água que atingiu a praia de Santos foi tão grande que invadiu dezenas de prédios e clubes localizados nos bairros da Ponta da Praia e Aparecida. Inúmeros carros e motos foram arrastados ou ficaram submersos nos estacionamentos dos prédios. Areia e pedras que pesavam toneladas invadiram a avenida da praia.



Para se ter uma ideia da força do mar, no Museu da Pesca de Santos, duas salas ficaram destruídas devido à invasão da água. Um barco foi empurrado pelo vento e destruiu parte da mureta da avenida da praia. A ventania derrubou árvores e interrompeu duas vezes a travessia de balsas entre Santos e Guarujá. O Porto de Santos ficou fechado por cerca de 30 horas, sem atracar nem liberar nenhum navio. Já a elevação da maré chegou a 2,60 metros. Felizmente, ninguém se machucou, mas poderia ter acontecido.

O estrago não se reduziu à orla da praia. Longe do cartão de visita da cidade, que absorve de famílias de classe média a trabalhadores e estudantes pobres que vivem em apartamentos minúsculos, o estrago não foi menor. É o caso da Zona Noroeste, onde o drama vivido pelas famílias é frequente e não depende apenas do “mau humor” do mar. A cada chuva mais intensa, o que as famílias vivem é sempre um caos. “Sempre tem esse problema de enchente. Qualquer chuvinha, qualquer ressaca de maré alta, é essa situação que vivemos aqui. Chega a ter enchente sem mesmo cair um pingo de chuva. E nos últimos anos não foi feito nada”, desabafou Camila, moradora da Zona Noroeste, em um vídeo compartilhado no Facebook.

Fenômeno natural, negligência política
Não precisa ser especialista para saber que o mar não respeita as construções à beira mar. É muita negligência política e social achar que todo desenvolvimento humano na região costeira, feita de forma desordenada e sem planejamento até hoje, não iria ter consequências e prejuízos. Esse é um problema crônico e grave no Brasil. Toda a região costeira do país se desenvolveu de forma desordenada e sem planejamento.

Basicamente, podemos dizer que as ressacas do mar que destroem construções, causam enchentes e prejuízos materiais ou até mesmo morte de pessoas é ocasionada por fenômenos naturais como ventos e marés, mas suas consequências estão relacionadas diretamente à interferência do homem sobre a natureza. Daí, o oportunismo de políticos que a cada incidente deste tipo se apoiam na justificativa da “fatalidade” e da “tragédia natural”.

Em mar aberto, por ocasião de uma frente fria, ocorrem rajadas de vento geladas e fortes que sopram em direção ao litoral. Correntes intensas se formam, transportando uma enorme quantidade de água. Essas correntes agitam o mar, e aumentam o tamanho das ondas e o nível da água. Ventos de até 50 quilômetros por hora fazem o oceano subir 2 metros, criando ondas de até 4 metros. O mar inunda a praia e quebra violentamente.

Esse fenômeno é natural, está diretamente ligado à natureza do clima e do mar. O homem não pode controlar esses fenômenos. Isso se agrava por causa do aumento do nível do mar. O homem não pode controlar, mas pode prever quando o fenômeno ocorrerá.

Não foi por falta de aviso
O Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas da Universidade Santa Cecília, em Santos, emitiu boletins alertando sobre a possibilidade de que uma forte ressaca pudesse atingir a região. Mas nenhuma medida foi tomada pela Defesa Civil de Santos. O coordenador da Defesa Civil, Daniel Onias, alegou que era impossível evitar os efeitos e os danos causados pela ressaca que atingiu a cidade. “É um evento extremo. É claro que essas previsões são coisas novas, são estudos que passaram recentemente. Então a partir do momento em que tivermos previsões mais confiáveis nós passaremos sim a avisar a população”.

Ora, num país como o Brasil, com fenômenos naturais, como enchentes, ressacas, deslizamentos, cheias, terremotos, chuvas tropicais e outros, que ocorrem em diversas regiões, a responsabilidade da defesa civil dos municípios não é dizer que é “impossível evitar os efeitos e danos”, muito menos dizer que espera previsões mais confiáveis. Isso é simplesmente dizer que ela nada pode ou vai fazer para evitar os danos.

É fato que falta investimento e vontade política para incentivar centros de pesquisa e formação de profissionais especializados que trabalhem para estudar os fenômenos e prever com o máximo de confiança sobre a gravidade e intensidade dos fenômenos naturais. Porém existe um trabalho, mesmo que insuficiente, sendo realizado por pesquisadores. Não podemos ignorar esses dados e esperar que o pior aconteça.

Cientistas do Projeto Metrópole, que pesquisa a elevação do nível do mar, previram que, até 2050, o nível do mar em Santos poderá subir 23 cm e causar prejuízos na área urbana da cidade. A pesquisa internacional conclui que para evitar danos e prejuízos seriam necessários investimentos da ordem de R$ 240 milhões. Por outro lado, caso nada seja feito, os gastos podem passar de R$ 1,28 bilhão até 2100. O valor do investimento é baixo em relação aos prejuízos que podem ocorrer se nenhuma medida for tomada. Fora isso, enquanto discutimos números e cifras, cabe uma reflexão: quanto vale vidas?

O prefeito de Santos, o tucano Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), já se mostrou irresponsável para tratar de problemas que podem ocasionar mortes e tragédias. Em abril de 2015, durante um incêndio nos tanques de combustível da empresa ULTRACARGO no porto de Alemoa, que durou nove dias, o prefeito tirou selfie com o deputado Beto Mansur (PRB). Enquanto, atrás tinha uma enorme fumaça do incêndio e o Corpo de Bombeiros atuava em 41 tanques dos 58 que existem, o prefeito dizia que“estava tudo sob controle”.

A região da Baixada Santista, em especial Santos e Cubatão, concentra um enorme polo petroquímico com empresas químicas de fabricação e transporte de combustíveis e outros produtos químicos altamente perigosos e letais. As pessoas nunca receberam qualquer tipo de treinamento para esse tipo de ocorrência, a não ser poucos empregados dessas empresas. Não estão disponíveis mecanismos de proteção à saúde como máscaras, óculos de segurança, ou estrutura de atendimento especializada com enfermagem ou hospitais de pronto atendimento em número e especialização suficientes para tragédias como essas.

Todas os fenômenos naturais, ambientais ou grandes acidentes envolvendo segurança industrial podem ter seus efeitos minimizados. Assim que ocorre ou se tem dados sobre sua possível ocorrência é necessária a mobilização de maior número possível de recursos materiais e humanos para combater e controlar seus efeitos. Mas o que se vê na prática é que as autoridades subdimensionam o problema, seja por falta de especialização, seja por encarar a política como mero exercício de poder em benefício próprio.

O caso da Zona Noroeste é um exemplo gritante da falta de vontade política. O programa Santos Novos Tempos, que tinha por objetivo justamente fazer obras de macrodrenagem para resolver os problemas de enchentes na região, teve o contrato de sua primeira fase simplesmente rescindido pela Prefeitura. Cerca de 80% das intervenções previstas não foram concluídas. E o pior, a administração municipal não dá qualquer satisfação sobre quando e se serão retomadas.

O que se vê, infelizmente, são políticos, capitalistas gananciosos, banqueiros e empresários, desprezando a saúde e a vida das pessoas. Afinal, quem mais sofre com essas tragédias? É a população mais pobre deste país.

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