por Valério Paiva*
Acompanhado a cobertura sobre o acidente com o voo da delegação da Chapecoense, podemos debater muito sobre o que foi sensacionalismo, o que foi interesse jornalístico, o que foi caça cliques, o que foi digno, etc. E é necessário debater os limites e para onde vai e para onde deve ir o jornalismo.
Mas uma coisa chamou muito a atenção na cobertura da Fox Sports e da ESPN Brasil foi o uso constante da estrutura e dos repórteres locais da Fox Sports colombiana e da ESPN Sur da Colômbia, com jornalistas entrando ao vivo reportando as notícias em espanhol e conversando com âncoras brasileiros que falavam português. E mesmo quem não tem conhecimento do idioma espanhol conseguiria compreender as informações que estavam sendo divulgadas.
Tudo bem que as duas emissoras, de capital estadunidense pertencentes ao Murdoch e a Disney, tinham a facilidade de já terem sucursais nos dois países envolvidos nesse caso. Isso facilita um intercâmbio dessa forma, e em outras coberturas de competições esportivas não foi a primeira vez que as duas empresas realizaram essa troca de profissionais. Mas era sempre muito eventualmente que isso acontecia.
Fica no ar que é possível e mais do que necessário, em especial para o Brasil, ampliar a cobertura jornalística que envolva todo o continente. O idioma pode ser uma aparente barreira, mas não intransponível. Muitas vezes no jornalismo brasileiro (ou quase sempre) a cobertura da Europa e dos EUA é mais constante do que as notícias do resto de nosso continente.
Poucos veículo brasileiros possuem correspondentes na região, e muitas vezes as coberturas de eventos importantes são feitas por eventuais enviados especiais, agências européias, ou coisas mais esquizofrênicas como a Globo que costuma cobrir a Venezuela e a partir de um jornalista argentino hospedado em Buenos Aires (!!!), quando não usa os inúmeros repórteres que moram nos Estados Unidos (!!!).
Algumas iniciativas localizadas que já existem possuem limites. O El País tem um projeto editorial interessante no Brasil, mas sua visão de mundo é centrada num conservadorismo liberal de Madrid. A Telesur foi a quem melhor aproximou do que poderia ser o ideal, como emissora pública panacional de notícias. Mas a Telesur tem como limites a relação umbilical com o PSUV de um lado, e de outro uma falta de interesse do então Governo Lula de fazer parcerias entre o canal venezuelano e a então jovem EBC. Além de não incentivar entrada da Telesur no line-up das distribuidoras pagas brasileiras, pois só está presente na limitada operação da Vivo TV. Mas nada surpreendente vindo de governos que sequer ajudaram a expansão do sinal da TV Brasil na aberta e nem colocaram na legislação a garantia de distribuição do canal público brasileiro em HD nas tvs pagas.
Enfim, não apresentou nenhuma proposta nem solução para nada, e sei que a cobertura jornalística da América Latina continuará a ser problemática na imprensa brasileira. E muitas vezes nos demais países é exatamente o oposto, pois já acompanhei a cobertura das eleições brasileiras por empresas argentinas e venezuelanas, e foi nítida a diferença.
Mas fica a reflexão que é necessário e possível realizar uma cobertura jornalística que integre todos os países do continente com o Brasil com profissionais de múltiplos países. Nem que para isso tenha que ter sido demonstrado pelo esforço de profissionais (e não dos donos) de duas emissoras esportivas de sinal fechado cujo alcance está longe da grande maioria da população. Esforço esse potencializado pelo desafio de cobrir um momento doloroso onde os jornalistas infelizmente viraram notícia.
*Valério Paiva é repórter do Jornal da Unicamp. Colaborou com publicações como Caros Amigos, Revista Adusp, PUCViva, Valor Econômico, dentre outras, além de ter trabalhado com assessoria de imprensa e colaborado com a comunicação de movimentos sociais. É diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp e membro dos coletivos de jornalistas Sindicato é Pra Lutar e LutaFENAJ.