Como transformar um caso de violência num case de sucesso, ou porque devemos falar sobre assédio e violência dentro das empresas de comunicação
Para quem não conhecia ou nunca teve oportunidade de acompanhar, o modo como o Grupo Globo está tratando o lamentável e nojento episódio de assédio sexual envolvendo o ator José Mayer contra a figurinista Susllem Tonani é um típico caso de gerenciamento de crise extremamente profissional.
Do ponto de
vista da empresa, mais importante do que investigar, punir o responsável e
coibir práticas de assédio sexual, moral e outras formas de violência e
opressão existentes no ambiente de trabalho, a preocupação primordial do Grupo
Globo é com a preservação de sua reputação e não com a segurança e sofrimento
das vítimas.
Para essas
organizações envolvidas no gerenciamento de crise, o crime contra uma mulher é
chamado burocraticamente de 'adversidade', e para superar essa situação e
salvar a imagem institucional, ações devem ser tomadas e usadas como forma de
marketing propositivo em favor da organização. É emblemático que o corajoso
protesto interno das funcionárias, em vez de ser reprimido ou silenciado, foi
aceito e depois incentivado pelas chefias, liga-se a um episódio bem específico
que gerou grande repercussão externa, já incontrolável, por conta da fama e
posição do agressor. Não fosse isto, ou se o agressor fosse um funcionário do
baixo clero da empresa, provavelmente a situação seguiria o rito usual dá
invisibilidade, e as funcionarias seriam relegadas ao silenciamento.
Para o
Grupo Globo o importante é o marketing social e os dividendos que podem ser
colhidos. O restante é perfumaria. Se um executivo (ou nesse caso, um ator)
tiver que ser responsabilizado pela 'adversidade' e punido, é um sacrifício
necessário para preservar o conjunto da organização, demais executivos e seus
acionistas. Não duvidem que a carta com a autocritica de José Mayer tenha sido
escrita junto com membros do comitê gestor de crise.
Se o ator
José Mayer será demitido ou mantido na geladeira por anos, vai depender do
quanto a poeira foi jogada para debaixo do tapete pela empresa.
Do nosso
ponto de vista, trabalhadores em comunicação que lutamos contra toda forma de
opressão, a discussão não deve ser a mesma. Antes de qualquer apoio ao
marketing social que beneficiará uma empresa, temos que estar do lado de quem
sofre assédio moral. Milhares de pessoas são vitimas desse mal diariamente,
sejam nas empresas de comunicação ou qualquer outro ramo. Seja no serviço
público ou na iniciativa privada. E quase todos são invisíveis. Muitas vezes
somos forçados a sermos silenciados e não levarmos qualquer denúncia para
frente.
Por isso a
denuncia de Susllem Tonani foi corajosa. A organização das funcionárias dentro
da empresa, organizando o protesto com as camisetas "Mexeu com uma, mexeu
com todas" foi fundamental. E quando a Folha de S.Paulo apagou o texto com
a denúncia de forma absurda, os questionamentos dos leitores e o
compartilhamento por outros canais do texto original ajudaram a expor a
hipocrisia e uma possível tentativa de abafar o caso.
E nesse
caso especifico, uma discussão fundamental que devemos fazer é a culpa do
próprio Grupo Globo ao incentivar a criação de personagens (e atores) viris e
sedutores em suas produções. Personagens que subjugam as mulheres. Homens mais
velhos que seduzem mulheres mais jovens, mas nunca o contrário. E ainda por
cima existem outras formas de machismo e preconceito na dramaturgia, nas artes
e na comunicação social que devem ser discutidas.
José Mayer
é protagonista, mas a responsabilidade é do grupo Globo, que perpetuam e abafam
essas práticas não só na dramaturgia, mas inclusive nos famigerados testes de
sofá que sabemos que existem.
Precisamos
lutar cada vez mais contra todas as formas de opressão dentro e fora das
empresas de comunicação. E não cair na ladainha do marketing social e
gerenciamento de crise para salvar imagens de empresas em vez de cuidar dos
trabalhadores vítimas de violência no trabalho.
E vamos
vencer.