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Sobre a polêmica do não-jogo Atlético-PR x Coritiba, os direitos de transmissão e os direitos dos torcedores


*por Valério Paiva

Neste domingo podemos ter presenciado um momento histórico no esporte nacional por conta de um jogo que não foi realizado. O clássico entre Atlético-PR e Coritiba válido pela quinta rodada do campeonato estadual do Paraná já entraria para a história por conta da iniciativa dos dois clubes em fazer valer os seus direitos e realizarem por conta própria uma transmissão gratuita via internet nas suas páginas do Facebook e YouTube. Mas acabou sendo marcado exatamente por não ser realizado por ordens da Federação Paranaense de Futebol.

A desculpa oficial era que a equipe da produtora contratada pelos clubes não estaria credenciada, mas o quarto árbitro da partida, Rafael Traci, falou abertamente para os dirigentes dos clubes em frase captada ao vivo pelas câmeras: "O pessoal não pode transmitir porque não é a detentora do campeonato. É isso que a gente recebeu de informação. Se continuarem eles dentro do campo, nós não podemos ter essa partida".

A proposta original de televisionamento pela TV RPC/Globo via Federação levaria Atlético-PR e Coritiba a receberem pelo campeonato inteiro, na transmissão via TV aberta e pay-per-view, R$ 1 milhão de reais cada clube. Para efeito de comparação, pelos direitos do Campeonato Estadual do Rio times menores que nacionalmente estão nas séries C ou D como Boavista, Bangu, Madureira e Volta Redonda receberão a quantia de R$ 4 milhão de reais. Uma empresa pode afirmar que oferece um valor pelos direitos de transmissão que acha mais conveniente para manter seus lucros. Mas um time esportivo também deve ter o direito de recusar esses contratos se não concordar com os valores.

A reserva de mercado e artimanhas contratuais, como o "direito de preferência" criadas na relação entre a cúpula das federações e o grupo Globo via seu executivo Marcelo Campos Pinto, sempre serviram desde o final dos anos 90 para criar uma hegemonia e monopólio dos direitos de transmissão dos campeonatos nacionais. Isso foi fundamental no crescimento da TV paga na consolidação dos canais Sportv como possuidor da maior média de audiência no segmento esportivo em detrimento de outros players, em especial contra a ESPN Brasil. Na TV aberta serve para os mesmos propósitos.

E na prática esse tipo de negociação pode envolver valores muito acima dos que estavam nos contratos e que nunca chegaram aos times e atletas, com grandes indícios de esquemas envolvendo figuras nebulosas como Ricardo Teixeira, João Havelange, J.Havilla e chegando até a sonegação de impostos referentes aos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002. Se numa negociação oficial entre empresas de comunicação e federações sobre vendas de direitos a entidade fica com cerca de 10% do montante, quanto que não vai para os bolsos de cartolas e intermediários por meios não legais?

Desta forma não é criada concorrência, e acabam sendo sabotadas iniciativas onde podem levar os clubes e atletas a ganharem mais pelos contratos de transmissão (como no episódio que levou ao fim do Clube dos 13 em 2011) e patrocínios, e com consequência a possibilidade de ampliação de canais e tecnologias para que o público possa ter acesso aos jogos. E isso não afeta apenas o futebol, pois recentemente o assunto foi levantado por atletas que disputam a Superliga de vôlei quando o Sesi planejou transmitir pela internet jogos do time que não estavam sendo televisionados e foram proibidos pela organização do campeonato. A alegação era que seria uma exigência do contrato com a Globo, apesar da legislação garantir que a posse dos direitos de transmissão são dos clubes envolvidos.

Numa rodada normal da Série A do Campeonato Brasileiro são transmitidos pela TV Globo dois jogos simultâneos para estados diferentes, e dois jogos no Sportv sem exibição para suas praças. Os demais seis jogos da rodada são exibidos apenas no pay-per-view. Já a Premier League tem todos os seus jogos por rodada exibidos pela ESPN, com direito a exibição também pela internet. Uma criança brasileira sem PPV em casa consegue acompanhar mais pela TV os jogos do Leicester City do que de qualquer clube brasileiro. E mesmo o preço do PPV do futebol brasileiro é fora da realidade internacional. Comprar todos os jogos da Série A custa cerca de R$ 720,00 por ano, enquanto é possivel comprar todos os jogos da temporada de basquete da NBA por R$ 293,33 na cotação de hoje. O acesso acaba sendo mais restrito ao torcedor brasileiro.

As diretorias do Atlético-PR e Coritiba foram corajosas em enfrentar a federação e os detentores dos contratos. Se mantiverem coerência poderão levar a grandes consequências a médio prazo, que poderão beneficiar todo o esporte. Mas se não pensarem a longo prazo nos espectadores, torcedores, público, os times brasileiros correm o risco de irem migrando suas preferências à longo prazo aos clubes europeus. Vamos acompanhar.

Em tempo, antes do início do jogo não realizado um torcedor do Coritiba de 15 anos de idade levou um tiro de um policial militar e morreu. A PM afirma que o disparo foi acidental. Mais um assassinato.





*Valério Paiva é jornalista e colaborador do Jornal Santista

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