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Ilha Diana: Uma história de resistência e luta por direitos


Na área continental de Santos, uma região da cidade ainda desconhecida por muitos santistas, se encontra a “Ilha Diana”
por Carla Clemente*

Para chegar até a “Ilha”, símbolo de resistência histórica, sendo uma das últimas colônias de pescadores existentes na Baixada Santista, basta pegar uma embarcação que sai da estação Santos\Vicente de Carvalho, atrás da Alfandega, no centro, e em mais ou menos vinte minutos, estará nesse lugar que em muito se contrasta com a urbanizada e agitada cidade de Santos.

Isolada de centros urbanos, com seus carros, construções e todo tipo de barulho, a “Ilha” é um ambiente de tranquilidade e total simplicidade, com suas casas de madeiras numa região de mangue e restinga, tendo a pesca artesanal como principal fonte de renda e subsistência, conservando os hábitos e a cultura caiçara. Os moradores “coexistem ao ambiente”, sendo responsáveis por sua conservação.

Os moradores fundacionais chegaram na década de 1940, logo após serem desalojados da Vila Bocaína, em Vicente de Carvalho, para a construção da pista de pouso da base aérea de Santos. Assim, passaram a construir suas moradias na então "Ilha dos Pescadores", que depois recebeu o nome do rio local "Diana", lugar que já era por eles muito conhecido em virtude da pesca.

As dificuldades e as lutas

Na Ilha atualmente vivem mais de 200 pessoas, em torno de 65 famílias, que desde seu início até hoje, conquistaram melhorias básicas para a comunidade, através de muitas lutas e auto-organização. A primeira visita de um prefeito ocorreu somente em 1980, quarenta anos depois de sua ocupação. Nesta década também obtiveram pela primeira vez água encanada, já a implantação da rede de energia elétrica para todos, foi conquistada somente em 2013, e seguem até hoje numa contínua batalha por direitos, pois é constante a ausência e descaso do poder público.

Seus habitantes, seguem preservando seu patrimônio sócio-cultural e meio ambiente, tarefa muito difícil quando se encontram num local, praticamente esquecido pela prefeitura e que sofre a pressão e devastação da indústria portuária, com empresas de enormes capitais, que visam apenas o lucro, indiferentes aos danos ambientais e culturais que atividade portuária produz.

Um dos maiores patrimônios históricos da Ilha Diana é a Capela do Bom Jesus de Iguape (que recebeu este nome, pois, os primeiros moradores eram naturais de Iguape). Construída pelo esforço coletivo da comunidade, e inerente a sua tradicional festa anual, a “Festa do Bom Jesus”, comemorada no dia 06 de Agosto, que sempre atraiu turistas para a “Ilha”, sendo vital nas atividades econômicas desenvolvidas pelos caiçaras.

A festa sempre possibilitou a venda de artesanatos, comidas típicas (vinda de seus pescados), bebidas, etc. Esse evento também possuí papel importante para a cultura caiçara, pois representa a oportunidade de sua expressão, gerando um turismo inclusivo, que preserva as tradições locais, além da arrecadação com a festa possibilitar o investimento em melhorias na comunidade.

Capela demolida pela prefeitura
              

Em 2017 completam 04 anos sem a festa da Ilha

Mas, desde do início da reforma da capela, em 2014, reinaugurada por Paulo Barbosa em 2015, com dois postes na entrada, dificultando a passagem das pessoas, a festa, principal evento cultural e de divulgação da comunidade, não foi mais realizada, pois devido ao gravíssimo erro de construção e a alegação que para remover os postes o custo sairia muito alto, a prefeitura destruiu a igreja. Um absurdo.

E, não houve nenhum parecer sobre a reconstrução da capela, se tornando mais uma das promessas não cumpridas do atual prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), que durante a campanha para prefeito prometeu que tornaria a "Ilha Diana num polo turístico". A destruição da capela, somada a total falta de apoio da prefeitura, são os principais fatores para a não realização da festa.                        





A devastação ambiental da indústria portuária e descaso do poder público

Indústria portuária gera devastação ambiental
Outro evento de impacto imensurável e até mesmo irreversível, se deu com o início da construção a poucos quilômetros de distância da ilha, em 2003, daquele que veio se tonar um dos maiores terminais portuários do Brasil, o terminal da Embraport, pertencente aos grupos: Odebrecht Transport e DP World, iniciou suas operações em 2013, com o único interesse de fazer sua própria operação portuária, ampliando e agilizando a exportação de suas mercadorias.

Os impactos ambientais são terríveis, desoladores, desestabilizando o ecossistema e a cultura da comunidade. Além da crescente diminuição dos pescados, que hoje os habitantes só conseguem para consumo próprio, o aterro sobre a área de mangue e restinga, potencializou as inundações ocorridas na ilha, já sentidas com maior frequência e intensidade pelos moradores, fenômeno que também pode estar relacionado com o processo de dragagem de aprofundamento do canal do porto de Santos.

O programa de mitigação (compensação) da empresa para o licenciamento ambiental, com o aval do Ibama e apoio da prefeitura, trazia em grande parte a promessa de“preservar a cultura caiçara” e também tornar o local atraente para o turismo, mas a realidade é outra, marcada pelo abandono e aumento dos problemas ambientais, que ameaçam a existência da cultura caiçara nesse local.

Neste plano de compensação pelo impacto ambiental da instalação do terminal portuário,outros diversos compromissos foram firmados com os moradores, indo desde o apoio para a realização da tradicional Festa do Bom Jesus, auxílio para a implantação da cooperativa de pescadores artesanais, estudo para a implantação de Saneamento Básico, vagas de emprego para os moradores na empresa,entre outras, que hoje somam uma vasta lista de descumprimentos, trazendo muitos prejuízos para o povo da Ilha Diana.

Desenvolvimento e progresso para quem mesmo?

Falsas promessas: Em 2013 durante "Viva Bairro" prefeitura anunciou projeto
que supostamente tonaria ilha Diana uma pequena Paraty
Construções de grande porte, colocam comunidades, como a da Ilha Diana, numa condição instável e precária, que somada a negligência do poder público, principalmente no que se refere a investimentos nas áreas básicas, geram uma situação que beira o completo abandono, assim as empresas se beneficiam com os lucros e as comunidades sofrem com os danos ambientais e sociais.

Na ilha já somam-se muitos descasos por parte da prefeitura municipal de Santos, que sequer realiza uma obra de reconstrução do píer atracadouro de barcos, que é de responsabilidade da CET e dá acesso a Ilha, atualmente um píer privado esta sendo usado para isso.

A chamada “policlínica” da ilha (local de especialidades médicas) só tem um médico (clínico geral), funcionando pouquíssimas vezes na semana, e cujo atendimento é feito apenas por uma enfermeira, além da precariedade de equipamentos o local fica fechado nos finais de semana, deixando a comunidade sem atendimento médico algum.

Na última grande ressaca, a comunidade foi pega de surpresa, não houve aviso ou suporte da defesa civil municipal, deixando moradores sem orientação e amparo, sujeitos a todo tipo de riscos de vida e integridade física. Houve perdas de eletrodomésticos, além de perigo de acidentes com a rede elétrica. Além destas questões que cotamos, há ainda problemas nos horários do transporte, na coleta de lixo, saneamento básico, regularização fundiária, entre outros.

Os moradores da comunidade seguem lutando por direitos, cobrando a responsabilidade dos órgãos públicos para trazer melhorias necessárias para a Ilha, é fundamental que a empresa Embraport também cumpra os compromissos firmados no programa de compensação para a Ilha Diana, visando a recuperação dos danos gerados na construção do terminal portuário. É necessário também somarmos em sua defesa, afinal, sua luta por preservação sociocultural e ambiental, não é um conquista somente para a comunidade e sim, para todos nós.

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